Este texto traz uma “pincelada geral”, uma introdução, sobre as relações entre o solo e a vegetação no Neotrópico. Assunto ainda pouco estudado, que atualmente vem ganhando destaque no Departamento de Solos da UFV, em projetos do Professor Carlos Ernesto Schaefer. Algumas observações importantes sobre a vegetação neotropical foram discutidas no texto anterior.
— Para citação deste artigo, veja nota no fim do texto (*).
As relações solo-vegetação nos Neotrópicos ainda não são perfeitamente esclarecidas. Há uma grande variedade de adaptações das espécies vegetais a uma gama igualmente variada de condições do ambiente, condições estas muitas vezes bastante restritivas para algumas espécies.
No entanto, há uma ampla distribuição de espécies e formações vegetais nestas áreas, cobrindo ambientes com as mais distintas condições de solo e clima. Um dos aspectos mais importantes da vegetação nativa neotropical é a sua forte adaptação a solos ácidos e muito intemperizados, onde a maioria das plantas desenvolve capacidade de extração e absorção de formas pouco disponíveis, ou lábeis, de macro- e micronutrientes. Tais estratégias estão associadas a diversos mecanismos como exsudação radicular e simbiose com fungos e bactérias, entre outros.
A deficiência em fertilidade pode condicionar seletividade na composição botânica, mas não determina a ausência de vegetação em ambientes naturais. Ainda assim, a baixa disponibilidade em nutrientes torna-se crítica quando associada a outros fatores que promovem a seletividade da composição botânica. Entre os principais fatores que oferecem limitações ao desenvolvimento da cobertura vegetal, a deficiência hídrica é, certamente, o mais limitante e, sob condições extremas, pode determinar a virtual ausência da vegetação.
Um bom exemplo da capacidade adaptativa da vegetação neotropical ocorre na Serra do Cipó. Naquela área, as formações florestais da Mata Atlântica, na vertente leste da Serra, ocorrem sobre Latossolos e Cambissolos derivados do intemperismo de Filito ou Anfibolito, mas podem ser encontradas sobre Espodossolos derivados do intemperismo de Quartzito, em áreas onde o controle estrutural e as condições geomorfológicas favorecem o desenvolvimento de solos mais profundos.
A matriz geológica da Serra do Cipó, no Espinhaço Meridional-Sul, é formada por Quartzitos de granulometria extremamente fina, herdada de um material de origem que certamente sofreu diversos ciclos de intemperismo e movimentação desde o Pré-Cambriano. Tais rochas apresentam características que sugerem uma sedimentação bastante seletiva no Proterozóico, indicando que, nos solos atuais daquela área, a fração silte pode conter teores elevados de Quartzo, que também pode estar presente na fração argila daqueles solos. Fator importante na capacidade de retenção de umidade nos solos arenosos daquele ecossistema.
Nas análises físicas de amostras de solos daqueles ambientes, nos processos de tamisação (peneiramento) por via úmida, para quantificação das areias, observa-se grande quantidade de Quartzo na fração silte (fração menor que 0,053 mm). Este material fica sedimentado nos recipientes durante os processos de separação das areias.
Os Capões de Mata da Serra do Cipó são formações neotropicais fortemente adaptadas a condições bastante restritivas do ponto de vista químico dos solos, mas encontrando condições adequadas do ponto de vista físico, como profundidade e textura favoráveis à retenção de umidade.
Em síntese, em que pesem as diferenças de composição textural dos solos daquela área. Variações estas associadas à variação do material de origem, se Metapelítica (Filito), se Metabásica (Anfibolito) ou Metapsamítica (Quartzito), tais solos são uniformemente muito ácidos e pobres em nutrientes, mesmo quando os teores de matéria orgânica são elevados, o que denota uma condição geral nos capões florestais do Espinhaço (Serra do Cipó): ocorrem sobre solos mais profundos, argilosos ou arenosos, com um mínimo de fertilidade química, em áreas favorecidas A elevada concentração de nutrientes na Manta Orgânica e sua baixa concentração nos horizontes subsuperficiais indicam uma vegetação com alta eficiência na ciclagem biogeoquímica. Fator adaptativo típico de formações vegetais de ambientes oligotróficos (pobres em nutrientes), relativamente comuns nos ecossistemas neotropicais.
Chama a atenção, nestas áreas da Serra do Cipó, a elevada biomassa de epífitos. Estes organismos se caracterizam pela capacidade de crescimento sobre superfícies de rochas, troncos e galhos, entre outras. Característica esta que permite a absorção de nutrientes ainda no estrato aéreo do dossel, interceptando o contato destes com a fase mineral do solo, evitando perdas como a fixação de elementos químicos por óxidos metálicos nos solos argilosos e a lixiviação de nutrientes nos solos arenosos. Além disso, os epífitos se caracterizam também por apresentarem seus tecidos com estrutura pouco ou não lignificada, constituindo-se, portanto, em formas de matéria orgânica de rápida decomposição, acelerando o processo de ciclagem, o que é fundamental nestes ecossistemas oligotróficos.
Além disso, na Serra do Cipó, e talvez em toda a Cadeia do Espinhaço, as condições de pobreza química dos solos, e das rochas que lhes dão origem, são mais extremas do que os dados encontrados na literatura para a maioria dos ecossistemas do Neotrópico. Some-se a isto a constituição textural arenosa da maioria dos solos, as altitudes elevadas e a geomorfologia geral da Serra do Cipó, favoráveis a perdas por erosão e lixiviação.
Portanto, nestes ambientes, a alta eficiência pode ser considerada como sinônimo de alta dependência da vegetação à ciclagem biogeoquímica, uma vez que os solos e as rochas que lhes dão origem são muito pobres em nutrientes. Ou seja, a grande reserva nutricional presente nestas áreas encontra-se na própria vegetação, principalmente nos capões florestais. Depreende-se daí a baixíssima resiliência destes ecossistemas. Se esta vegetação for suprimida, principalmente pela ação antrópica, acarreta-se uma drenagem violenta de recursos químicos, muito além da capacidade natural que o sistema possui de repor nutrientes a curto e médio prazos. O longo prazo requerido refere-se, talvez, ao tempo geológico, que foi necessário para a formação destes ecossistemas, tão peculiares da Serra do Cipó.
Além da forte capacidade adaptativa da vegetação neotropical a solos muito pobres quimicamente, um fato bastante interessante é a quase total ausência de sintomas de deficiência nutricional na vegetação nativa do neotrópico. Ainda que esses sintomas possam ser observados com frequência em ambientes onde convergem diversos fatores estressantes, como é o caso dos Neossolos Litólicos de Campos Rupestres. Nesses locais, os sintomas de deficiência nutricional são visíveis, geralmente pela variação de cor na planta.
Em condições naturais, o sintoma mais comum é por deficiência de fósforo, com matiz arroxeado. Mas é bom lembrar que as variações de cor nas plantas nem sempre são sintomas de deficiência nutricional, pode ser característica da espécie ou cultivar, que inclusive pode ser utilizada para fins de Taxonomia, principalmente de orquídeas e outras plantas ornamentais. Há um excelente texto abordando alguns desses aspectos aqui no blog do Locatelli.
Um bom exemplo dessas variações de cor por deficiência de fósforo, em Campos Rupestres, ocorre com a orquídea Acianthera teres (veja aqui com o Locatelli), muito comum em afloramentos de Quartzito na Serra do Cipó. Esse pigmento vermelho-arroxeado desaparece quando a planta recebe adubação equilibrada.
(*) Para citação deste artigo:
VALENTE, E. L., 2009. Relações solo-vegetação no Parque Nacional da Serra do Cipó, Espinhaço Meridional, Minas Gerais. Viçosa: UFV, 2009, xvii, 138p.: il. Tese (Doutorado em Solos e Nutrição de Plantas).
texto interessante
ResponderExcluirabraço