quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Brasília e Os Pobres: por uma questão de utilidade pública!

Imagem: fonte
Por Elton Valente

PREFÁCIO: este texto foi publicado, por um dia apenas, em outro blog, lá pelos idos de abril de 2009. Agora publico-o definitivamente aqui. Agradeço mais uma vez os comentários recebidos pelo texto àquela época, principalmente o comentário-colaboração do colega blogueiro João Carlos, do recomendável blog Chi vó, non pó.

Um antigo professor que tive (militante esquerdista, é bom que se diga), dizia que a construção de Brasília foi um erro, ou melhor, a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília foi um erro.

Ele argumentava que a “nova capital” ficou longe das massas politizadas, da pressão popular e etc., e Marx e Lênin e tal! Nunca concordei com ele. O meu argumento era o de que não importa a localização geográfica de uma capital de Estado. Importa sim o perfil e a ficha policial dos políticos que são colocados lá dentro.

Estive em Brasília recentemente. Tinha um compromisso na UNIEURO, Asa Sul. Cheguei à conclusão (tardia) de que Brasília foi feita pelas mãos dos pobres, mas não é para pobres. Definitivamente aquela cidade não foi construída para o trânsito de pobres. Considero pobre aquele cidadão que, assim como eu (meu carro não dá conta de chegar até Brasília), não tem um carro próprio que dê conta de trafegar por lá ou, estando lá, não tenha dinheiro para alugar um, ou fretar um táxi.

Se o indivíduo não tem celular (assim como eu), danou-se, pois não se encontram telefones públicos com facilidade. As avenidas são longas, longuíssimas, sem passeio. Ou o cidadão está no asfalto, ou sobre o gramado (o que é proibido).

Brasília tem uma “Rodoferroviária”, cuja “ferrovia” está desativada. As rodoviárias de cidades como Jacutinga, Itacambira, Malacacheta, etc., são mais organizadas e mais bem projetadas do que a de Brasília. Piores com certeza não são.

A “Rodoferroviária” foi o único lugar público da cidade em que encontrei pessoas com um perfil mais humilde, gente do povo e, acreditem, a uns duzentos metros dali encontra-se o “Shopping Popular de Brasília”. O espaço que separa os dois locais NÃO TEM PASSEIO PÚBLICO. Ou você está na avenida larga, sobre o asfalto, ou está sobre o gramado dos canteiros. Ou seja, nem entre os dois lugares, talvez mais acessíveis aos pobres, existem facilidades para o tráfego de pobres.

Na “Rodoferroviária”, fui abordado por dois mendigos e seis pedintes (quase mendigos), entre estes duas mulheres. Um deles pedia “ajuda para comer” com uma espécie de Bíblia na mão. Pedia e mostrava a Bíblia aberta ao interlocutor. Fui abordado por ele três vezes e ele demonstrava não se lembrar de que já havia me abordado anteriormente. Além destes, vi uma índia usando, ao mesmo tempo, uns três mantos bolivianos, do tipo xale, daquele que Lula usou quando visitou o “índio” cocalero Morales – Intercâmbio internacional de pobres??? Duvido muito! (intercâmbio de guerrilheiros das Farc, em Brasília, é provável, de pobres não).

Encontram-se pobres nas cercanias de Brasília, mas eles trafegam pelas bordas, nas cidades-satélites. Segundo dados do IBGE e FGV, publicados pela Revista Veja de 08-04-2009, o rendimento médio per capta de pessoas economicamente ativas no Distrito Federal é de R$ 1.833,00. Em São Paulo, o estado mais rico do Brasil, é de R$ 1.138,00 (38% menor). Em Minas Gerais é de R$ 787,00 (57% menor). O mais pobre é o Maranhão, com R$ 450,00 (75% menor). Tirem suas conclusões, pois Brasília não tem indústrias ou outras atividades econômicas que impulsionam diretamente, materialmente, o PIB. A “indústria” de Brasília é outra.

Fiquei recordando as falas do meu professor. No fim, por vias transversas, começo a acreditar que ele tinha razão. Niemeyer, o comunista rico e famoso, teve uma sacada genial como arquiteto chefe da construção de Brasília, embora o traçado seja de autoria de Lúcio Costa, aprovou um projeto cuja arquitetura é hermética aos pobres. Dificulta ao máximo o tráfego, em um “lugar tão belo”, desta “coisa tão feia e incômoda” chamada pobre, enfeiando a sua grande obra. Isto vindo de um comunista histórico e vetusto pode ser muito revelador e educativo. Mirem-se neste e noutros exemplos, senhores das gerações presentes e futuras, antes de flertarem com ideologias, antes de colocarem seus votos nas urnas. As eleições para presidente se aproximam.

E Brasília completa 50 anos, em 21 de abril.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Honduras e eu

Imagem: daylife

Por Elton Valente


Tenho um carinho especial pela questão de Honduras, pobre e brava Honduras que defendi desde o princípio em alguns posts por aí: dois no Ciência Brasil – texto originalmente publicado no Geófagos; e quatro no Tateando Amarras. Minha defesa de Honduras e das Instituições Democráticas, contra o idiota do Zelaya – e contra os idiotas que o apoiaram – não me saiu barato, pode crer.

Mas, enfim, venceram as Instituições Democráticas e o bom senso. Os EUA retrocederam quando se deram conta da roubada em que estavam se metendo, apoiando o bolivarianismo de Chávez e seus asseclas, entre eles Celso Amorim, Lula e os ditadores de Cuba. Resolveram fazer o óbvio, reconhecer como legítimas as eleições em Honduras, botando um fim no impasse.

Ao Brasil, via Celso Amorim e Lula, restou aquele vergonhoso e delinquente papel que desempenhou no episódio. E, de brinde, ficou com o idiota do Manuel Zelaya nas mãos. Mas, enfim, el bigodón foi para a República Dominicana. Prometendo voltar.

E Porfírio Lobo Sosa tomou posse como novo Presidente de Honduras, conforme reza a Constituição daquele país, para o bem das instituições democráticas.

Eu, embora tenha pagado um preço por isso, fico com a satisfação de ter defendido com firmeza, sem relativismos, o Governo Constitucional de Honduras, que agora segue seu curso sem sobressaltos – é o que esperamos. Viva a Democracia.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Ecologia de Florestas Tropicais do Brasil


Por Elton Valente

Tive a honra de participar como co-autor de um dos capítulos do livro Ecologia de Florestas Tropicais do Brasil, recentemente lançado pela Editora UFV e editado pelo Professor Sebastião Venâncio Martins, do Departamento de Engenharia Florestal, da UFV.

No Capítulo 5 encontra-se parte de minhas pesquisas de doutorado, que trata das relações entre o solo e a vegetação, em transectos de Campo Rupestre para Capões Florestais, nas partes mais elevadas da Serra do Cipó, no Espinhaço Meridional-Sul.

Em que pese minha ignorância, ainda não havia no Brasil uma obra tratando da ecologia de florestas tropicais, principalmente na forma e na profundidade com as quais o assunto é tratado neste livro.

Por este meu pequeno ensaio de vôos mais audaciosos, deixo aqui no Tateando Amarras os meus agradecimentos ao Professor Sebastião Venâncio e ao Professor Carlos Ernesto Schaefer.

domingo, 15 de novembro de 2009

Lula, a boçalidade e a arte de nivelar por baixo

Imagens, fontes: 1, 2 e 3

Sempre afirmei que o governo brasileiro carece de estadistas. Alguns poucos que existiram no passado podem ser contados nos dedos de uma única mão. Aliás, no presente, o mundo inteiro está carente de estadistas. Os tiranetes bolivarianos dispensam comentários e Barackinho, o exterminador de moscas, a “esperança de redenção histórica da América”, para quem Lula “é o cara”, revela a cada dia o seu grande potencial de maior decepção política dos últimos tempos.

Não sou psicanalista nem psicólogo, mas dou conta de uma análise psicológica dessa gente. Barack Obama chamou Lula de “o cara” porque viu em Lula uma coisa que ele quer para si, sua única esperança de redenção fácil, o “espírito terceiromundista” da pessoa e daqueles que o apóiam.

Lula, em sua trajetória, por uma convergência de fatores mesquinhos, ganhou espaço, eleitores, um palanque privilegiado e de lá faz seus discursos pontuados por irresponsabilidades – impróprias a um governante – faz e fala parvoíces, torce os fatos, pauta-se pelo populismo, trata o Brasil como um grande sindicato e os brasileiros como um bando de sindicalistas encabrestados. A convergência de fatores mesquinhos lhe proporciona altos índices de aprovação popular. Não é aprovação de seu governo, é aprovação da pessoa, o brasileiro padrão não distingue estas coisas. Portanto, o que aprovam é o falastrão carismático (para os tolos) e populista... E Obama quer ser Lula – como nunca antes na história daquela América.

Obama também tem sua ascensão associada a uma convergência de fatores mesquinhos e quer “os braços do povo”, defende-se de críticas atacando o governo passado e a imprensa – mirou-se em Lula, o cara. Esta é a obsessão de Obama, mas lá ele sabe que não vai conseguir. Lá as Instituições Democráticas, há muito, nivelaram o sistema por cima e Obama não vai emplacar o seu viés tereceiromundista com imediatismos eleitoreiros, colocando “nos outros” a culpa de seus fracassos e de sua incompetência, como está querendo fazer agora. Como Lula faz aqui.

E aqui, Lula tem certeza de que nada no mundo é maior de que... Lula. Por isso ele teme o apagão, real e metafórico. Sua primeira obsessão sempre foi ele próprio, mas o seu alter-ego é FHC. Lula ataca FHC dia e noite porque Lula sonha-se FHC, e não se conforma com o fato de ter sido FHC a figura emblemática, a estampa do Plano Real. Lula queria (quer) o lugar de FHC no Plano Real e na história econômica brasileira. Mas Lula, embora pareça não ter noção do ridículo, tem alguma noção da realidade. Maluco ele não é.

O Plano Real nasceu de uma equipe de profissionais (Fernando Henrique, Rubens Ricúpero, Gustavo Franco, Pedro Malan e outros) no governo de Itamar Franco, mas vai passar para a história como A obra de FHC. E Lula morre de inveja. Porque Lula sabe que ele próprio vai passar para a história como um oportunista, um boçal que teve alguma sorte na vida. Teve sua “utilidade” vislumbrada por Golbery (um exímio estrategista) e o apoio de um povo sofrido que, no geral, não conseguiu enxergar a boçalidade de Lula. E esse povo ainda lhe dá apoio. Caso contrário ele teria sofrido impeachment lá no auge do “mensalão”. E ele sabe disso. Mas ele, Lula, precisa conformar-se consigo mesmo, com sua insignificância diante da grandeza de homens dignos de uma nação, e por isso ele precisa mentir, dissimular, fazer metáforas baratas, encantar a plebe com seu circo de boçalidades, torcer os fatos e a história, nivelando tudo e todos por baixo, e aí receber os aplausos da patuléia, e dos comensais, e se conformar, iludindo-se: “eu sou o cara”.

A segunda obsessão de Lula é mais recente. É proporcionada, no momento, por Dilma, a ex-guerrilheira. A boçalidade de Lula e do PT é tão grande que inventaram agora o “continuísmo” de Lula via Dilma – confiantes que estão na aprovação popular de Lula (do homem, não de seu governo), acreditam que vão conseguir convencer o povão a comprar Lula, mas levar Dilma. O tempo dirá.

Lula nivelou o Brasil por baixo. O Brasil ficou mais burro nestes tempos de Lula e PT. Mas embora emburrecido, não ficou idiota. Tenho minhas dúvidas se o Brasil vai engolir uma perereca pensando em um “sapo barbudo”. Falando assim dá até para ter saudades dos tempos do Brizola. Naquele tempo o Brasil tinha sua cota de burrice, mas pelo menos não era nivelado por baixo. Havia respeito pela inteligência alheia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Nestes tempos de vestidos curtos...


Por Elton Valente

Além da respeitável Geisy, nestes tempos de vestidos curtos, às vezes avaliados por mentes pequenas e ignorâncias imensuráveis, já arrefecendo os humores e mudando o tom da prosa, mas mantendo o foco e o ângulo naquilo que interessa (sem trocadilho), recomendamos a leitura bem humorada do cronista Xico Sá, um caririense legítimo, no Yahoo!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Inacreditável Brasil desta era esquerdista

Imagens, fontes: 1 e 2

Segue um pretenso soneto, de nossa própria lavra, para arrefecer os ares contaminados pelo bafo desses talibans.

Para Geisy e para a Mulher Brasileira...

Inacreditável Brasil desta era esquerdista

Os talibans da Uniban-Brasil vigiam, espreitam
O seu vestido rosa, sua jaqueta cinza
Se você não ousa, se você não fala
Sobrevive ainda...

Nunca antes na história destepaís
Houve tanta ignorância. Nem nos tempos da censura
Quando o seu passar dava samba: a garota de Ipanema
Nestas terras de Iracema, até o Gabeira usava tanga

A turba ululante, instintiva, irracional
Delira na própria ignorância e xinga
Quando você passa, quando você ginga

O muro de Berlim ruiu, mas aqui ainda há comunistas
Neste mar de incoerências, o seu rebolado é uma afronta
A muita gente esquisita...

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Fernando Brasil
10 de novembro de 2009

Nota: Por sugestão da equipe, o desfecho foi alterado às 12:08.

domingo, 8 de novembro de 2009

Os talibans da Uniban, ou os Mulás Unibans

Imagem, fonte: Julia Chequer / R7.
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Por Elton Valente.
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Os organizadores do Tateando Amarras manifestam o seu repúdio à atitude abjeta dos agressores e da direção da Uniban no caso da aluna Geisy Arruda, que foi hostilizada por usar um vestido “curto” nas dependências daquela "escola". Matéria no G1.

Transformaram a vítima em ré, usando como argumentos leituras subjetivas, à margem dos direitos individuais que são a razão de ser de uma sociedade dita civilizada.

Pelas mãos e mentes da direção da Uniban, retornaremos à barbárie, em uma sociedade governada por mulás talibans. Ou, talvez, por mulás unibans.

Entre julgar sarneyísmos-lulismos e um vestido rosa sobre um corpo de mulher, a turba ululante e bestial e as mentes da Uniban, obviamente, optam pela segunda opção.

Depois de 20 anos da Queda do Muro de Berlim, paradoxalmente, vivemos no Brasil uma era político-administrativa de embrutecimento de homens e de almas. Ficamos mais burros e mais ignorantes. A imbecilidade e a bestialidade já manifestas na Uniban são um sinal dos tempos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Claude Lévi-Strauss


Imagem: Fonte

Os organizadores do Tateando Amarras lamentam a morte do antropólogo Claude Lévi-Strauss, anunciada ontem. Mais informações aqui e aqui.

Admirável, sobretudo pelo seu modo de fazer pesquisas, autor de Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss, à semelhança de Charles Darwin, buscou conhecer profundamente o seu objeto de pesquisa, empenhando, portanto, boa parte de sua vida neste processo.

“Fundador da Antropologia Estruturalista, é considerado um dos intelectuais mais relevantes do século 20” (nota no G1).

Por Elton Valente.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

José Saramago e Bento XVI

Imagens, fonte: Saramago e Bento XVI

Por Elton Valente

Ainda sobre o mais recente texto que publiquei aqui no blog, que pode ser encontrado logo aí abaixo, em Evolução Humana, Deus, Ciência e Filosofia.

Saiu hoje uma matéria pertinente na rede. Segundo a Agência EFE, de Roma, pelo Yahoo! Brasil, José Saramago acusou a Igreja de “reacionária” e Bento XVI de “cínico”.

"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual" desta pessoa, disse Saramago em um colóquio com o filósofo italiano Paolo Flores D'Arcais, que hoje lança "Il Fatto Quotidiano".

A matéria completa pode ser acessada aqui no Yahoo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Evolução Humana, Deus, Ciência e Filosofia

Imagem: Os Dinossauros e Deus

Por Elton Valente

Faz mais de um século e meio que Darwin e Wallace desvendaram a parte essencial do mistério humano. Ou seja, Darwin e Wallace acabaram com o enigma humano e outros sustos da psicologia* monoteísta. A Ciência reiteradamente tem nos dito que somos o resultado de um processo natural evolutivo, e não um design metafísico.

Já em pleno gozo do tão festejado Século XXI, temos todas as chaves para nos libertar das bruxas e libertar as bruxas de nós. Temos todas as bases racionais para superar a ideia do bem e do mal metafísicos, dar esta fase de psicose** coletiva como encerrada e seguir em frente, sob uma ordem menos assombrada.

Não estou defendendo aqui um “ateísmo engajado”, porque não acho que este seja o caminho mais proveitoso. Não acredito na eficácia desse método. Minhas questões aqui também não pretendem atacar Dawkins, ou Clément Rosset, ou Saramago, ou Michel Onfray e tantos outros, até porque não quero me enveredar por esse caminho. Caso contrário eu teria que me debruçar sobre uma montanha enfadonha de epistemologias “teo-atéias” que existem por aí, muitas delas indecisas. Na prática, elas só desviam o foco da questão central.

Creio que avançaríamos muito mais se retomássemos as ideias dos pensadores do século XIX. Ainda que isto possa encerrar alguma coisa de paradoxal. Retroceder para avançar (acho que Sun Tzu já disse algo assim).

Há mais de um século, pela voz de Nietzsche, a cultura humana anunciou numa constatação: “Deus está morto”! Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê desse ato, de uma história superior a toda a história até hoje! Disse Friedrich Nietzsche, em A Gaia Ciência (1882) – trata-se de uma alegoria. A leitura disso é trivial, mas vale a pena repetir: não foi Nietzsche nem ninguém que “matou Deus”, a evolução do conhecimento humano é que superou a idéia de Deus, Nietzsche apenas anunciou essa constatação.

Há aqueles que argumentam, eu por exemplo, que a espiritualidade, resumida na ideia de Deus, é parte da essência humana. Mas por outro lado eu defino a espiritualidade e, portanto Deus, como um efeito colateral da inteligência humana. Não precisamos negar nossa espiritualidade, precisamos apenas domá-la, como domamos nossos instintos, senão continuaremos domados por ela e, portanto, vassalos daqueles que sabem manipular estas fraquezas humanas.

Há ainda aqueles que argumentam que “tirar Deus do homem pode causar danos irreversíveis em seu hardware”. Numa população encabrestada e amedrontada pelos dogmas, pode ser. Mas não o será em uma população que, desde cedo, tenha educação de qualidade e esteja livre de maniqueísmos metafísicos.

Há um limite neste atual estágio de evolução do intelecto humano, da psique humana. Considero que, em relação à nossa espécie, existem pelo menos três linhas evolutivas: a evolução do bicho, mamífero, primata; a evolução tecnológica; e a evolução da psique humana, do intelecto. Esta última, acredito, no atual estágio em que nos encontramos, é afetada negativamente pela espiritualidade indomada. Se ela foi importante em um passado remoto, como fator de agregação social (às vezes de desagregações e guerras), no presente ela é um obstáculo. Creio que se não domarmos a espiritualidade, mudando a forma como lidamos com ela, não vamos mais avançar como poderíamos e deveríamos. Muito menos sair dessa caverna imunda, da qual Platão nos advertiu.

É preciso entender também que, com ou sem hardware danificado, alguns “sacrifícios” intra-específicos são parte da tônica da evolução das espécies. Foi assim e é assim com a evolução de todas as espécies que habitaram, habitam, e hão de habitar este planeta. Quando não declinam para a extinção, as espécies sofrem as pressões da evolução e ponto final!

Porque é desalentador constatar a realidade humana. Ainda que toda A Caverna (de Platão) esteja iluminada pelo conhecimento, o humano ainda é, em essência, reticente. Ainda não há massa crítica suficiente e bem formada. Isto, mais de um século depois de Nietzsche anunciar a morte de Deus em A Gaia Ciência e depois de Carl Sagan nos advertir com o seu didático O Mundo Assombrado Pelos Demônios (1997). Talvez a mais brilhante e objetiva obra de divulgação científica de todos os tempos. Nela, Sagan faz uma exposição didática excepcional do Método Científico e demonstra como ele é sistematicamente ignorado pela maior parte da população.

Pior que isso, a ciência é sistematicamente subjugada, intencionalmente, por “lideranças” em busca de prestígio e poder, trabalhando para produzir uma massa ignorante de pessoas desinformadas, amedrontadas, emocional e materialmente carentes, sem capacidade crítica. E “nossa” dependência de Deus é usada e abusada inescrupulosamente por tais “lideranças” na feira da busca pelo Paraíso, o mercado da salvação das almas. Um filão inesgotável de riqueza material, prestígio e poder, em benefício de poucos e sacrifício de muitos.

Sagan argumenta em seu livro que a desinformação e a falta de capacidade crítica constituem um grande perigo para a sociedade. E demonstra, em linguagem absolutamente acessível, como o pensamento cético, a razão e a lógica devem prevalecer em favor da verdade, aquela que Nietzsche brilhantemente já havia proclamado ser relativa. Sagan demonstra como estas ferramentas são essenciais para descortinar pseudociências, fraudes, superstições, dogmas religiosos, cura pela fé, deuses, bruxas, percepção extra-sensorial, discos voadores (OVNIs) e outros argumentos que não se sustentam sob o escrutínio da ciência, da razão e do bom senso.

Observe que o primeiro lampejo do pensamento científico é atribuído ao grego-jônio Tales (séc. VI a.C.), em Mileto. A “Grécia” de então era, nada mais nada menos, do que um grupo de Cidades-Estado, sem relevância política, ocupando um território de topografia fragmentada ao longo do Mar Egeu. O único fator que as unia era o domínio da mesma língua. Aquela região não tinha nem mesmo um nome comum, o epíteto Grécia lhe foi dado pelos romanos. Estavam em um estágio inicial de desenvolvimento social, cultural e religioso. Sua religião consistia de um amontoado de deuses sem muita importância ocupando o Monte Olimpo. E aí reside um detalhe revelador. Era, portanto, um povo livre de religiões dogmáticas. Seus deuses eram semelhantes aos homens e não o contrário.

Para as religiões dogmáticas o homem foi criado à semelhança de Deus. Na Grécia os deuses foram criados à semelhança dos homens. Então, os gregos eram livres para questionar o mundo e o universo segundo sua própria razão.

E Tales fez o primeiro “tento” – “por que as coisas acontecem como acontecem?” – Mais importante ainda que a pergunta, foram as tentativas de respostas livres de um deus onisciente e onipresente. Este pensamento livre foi tão importante que iria influenciar toda a cultura ocidental dali para frente, e a Grécia se tornaria a referência cultural mais importante da civilização humana. Com reflexos em todos os campos, como artes, religião e ciência. Algumas vezes, quando este pensamento era tomado como verdade absoluta e associado a religiões dogmáticas, como foi o caso do modelo proposto por Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C), em vez de contribuir, atrasou o desenvolvimento científico.

Mas creio que dificilmente chegaremos a esse futuro superior, imaginado por Nietzsche e extraível daquilo que é didaticamente descrito por Sagan. Os obstáculos são muitos: os interesses espúrios, a covardia, a hipocrisia, a Educação que deveria ser A prioridade civilizatória e não é...

Vejam que estamos contabilizando a primeira década do Século XXI, ou seja, esta epopéia humana, de contornos babilônicos, fantasticamente está chegando ao ano 2010 do calendário gregoriano. Mas tristemente ainda evitando reconhecer e aceitar que a forma como lidamos com a espiritualidade é um grande obstáculo. Evita-se reconhecer a necessidade de levar a civilização a um estágio mais avançado, como definido por Nietzsche. Some-se a isto os modelos econômicos experimentados até agora, o socialismo-comunismo falido (todos eles consumaram A Revolução dos Bichos – o Brasil é o exemplo mais recente), o capitalismo predatório, a exploração de muitos por poucos, alargando as desigualdades sociais. E a “ordem estabelecida”, política e econômica, invariavelmente ligada ao poder das igrejas, das religiões, que se sustentam na ignorância do povo, e a ignorância do povo atrelada à espiritualidade indomada.

Portanto, com racionalidade, educação e bom senso, poderíamos considerar a possibilidade de um mundo pouco poluído, pouco degradado, com seus recursos naturais sendo racionalmente explorados, com uma população em número compatível com os recursos disponíveis, ou seja, poderíamos, em bases palpáveis, vislumbrar a possibilidade real de um mundo limpo e largo para todos.

Mas a humanidade ainda segue mergulhada em um mundo de escuridão. Um mundo ainda assombrado e assolado por demônios. Com Deus protegendo a integridade do hardware humano (?). E o mais inacreditável, paradoxal e absurdo disso tudo é que, desta vez, estamos vagando por este mundo em trevas com todos os faróis em nossas mãos, evitando acendê-los noite após noite, com medo da luz.

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(*) psicologia:
3 Conjunto de estados e processos mentais de uma pessoa ou grupo de pessoas, especialmente como determinante de ação e comportamento: A psicologia das massas.

(**) psicose:
2 Inquietação mental extrema de um indivíduo ou de um grupo social: Psicose de guerra.

Fonte: Dicionário Michaelis, aqui.