quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Manifesto Geofágico*

Fonte: Imagem (modificada)

Por Elton Valente


(Você pode até pensar que endoidamos, mas não há de dizer que mentimos!).

Só a Geofagia nos une. Biologicamente. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

À diferença, ou à semelhança – como queiram – do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, pregamos aqui A LIBERTAÇÃO DA CIÊNCIA e da Verdade Geofágica.

Contra todas as amarras. Puristas, elitistas, idiomáticas, norte-americanistas, imperialistas, Inquisitórias, religiosas, eclesiásticas, moralistas, socialistas, comunistas, capitalistas, obscurantistas, maniqueístas, neo-medievalistas, egoístas, individualistas, populistas, conformistas...

A favor da Geofagia, pois todos os seres vivos são Geófagos. Em maior ou menor grau, direta- ou indiretamente, todos o são! E contra isso não há o que se possa fazer. Ninguém vive do éter! O sujeito, que é o dono do verbo, sobrevive porque pega mata e come!

Sob o Sol, tudo emana da Terra e em seu seio se curva! Não há como fugir desta lei!

Darwin acabou com o enigma humano e outros sustos da psicologia monoteísta. Alguém tinha de fazê-lo um dia, e Darwin o fez! Grande Darwin! Oráculo e Guru da Geofagia!

E já dizia o Livro do Gênesis (3:19), no tempo dos princípios e dos primórdios, "viestes do pó e ao pó retornarás"! Sentença que o elitismo eclesial da nobreza e a ignorância da plebe impediram de se interpretar à risca.

Mas nós afirmamos categoricamente, sem ardil de retórica: sois pó!

Caulim or not Caulim: that is the question!

Oswald manifestou-se "contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo".

In vino veritas? Não, Velho Caraíba, nós afirmamos, a verdade está no Solo!

O vinho, a uva, a videira e o enófilo SÃO terra úmida e sol reluzente. O resto é processo.

Ibitinga, tauá, tabatinga, ibirapitanga, pitanga, curumim-cutuba, cunhã-taí, cunhã-porã. São nada mais que processos.

E assim, naturalmente, sem magia ou revolução, O Anátema torna-se O Verbo, assumindo o lugar que é seu por direito, que lhe foi subtraído pelo império dos dogmas, enquanto se mantinham amordaçadas a Ciência e a Verdade, que a Geofagia exige libertas, em nome da razão e do bom senso!

Filhos do Sol e do Solo, não percam seu tempo buscando respostas no céu. Busquem os vestígios dos eventos geotectônicos, olhem para o chão, datem as rochas, os sedimentos, descubram os fósseis. Lá está a verdade.

A saúde de todas as espécies, Senhores Primatas, todas, vegetais e animais e outras, indistintamente, está no equilíbrio dinâmico da natureza – umbilicalmente ligada ao Solo. Lá, mais uma vez, está a verdade. Mas a medicina elitista insiste em ser curativa. Rende mais dividendos. Enquanto isso vamos navegando, de escorbuto em escorbuto, mais ou menos.

Você, Caraíba, e todos nós somos Geófagos. Gregos, Russos e Romanos. Gauleses, Saxões, Otomanos. Árabes, Latinos, Australianos. Ameríndios, Chineses e Africanos. A Geofagia nos une, mesmo que nos separe a Geografia, quando não as guerras e a hipocrisia.

Morte e vida incontestes. "Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência". Substância. Conhecimento. Geofagia!

O que atropela a verdade é a roupa e a arrogância, "o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior". A metáfora do homem vestido. Nus somos puros e belos.

Nunca fomos desnudados. O potássio de seus músculos que foi banana que foi feldspato ou mica. O cálcio de seus ossos que foi leite que foi capim que foi mármore que foi calcário que foi carapaça de moluscos no Cretáceo. E você ainda se acha 'o dono do pedaço'.

Foucault não é suficiente. É na Geofagia que está a construção e a desconstrução do sujeito.

A Geofagia nos constrói e nos destrói na mesma medida!

Sois pó!

Caulim or not Caulim: that is the question!

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(*) Nota: Tenho especial predileção por este Manifesto. Publiquei-o originalmente em 20/06/2009, no blog Geófagos. Embora ele apresente uma estética declaradamente inspirada na obra de Oswald de Andrade, os seus objetivos são outros.

Considero-o um razoável argumento contra a arrogância e a pretensão, defeitos graves e demasiadamente humanos.

Compreender e aceitar a Geofagia, em seu sentido lato, deixa de ser apenas uma constatação e torna-se uma virtude.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Pesquisadores jovens e velhos, cidadãos jovens e velhos: uma digressão


Fontes: imagem 1; imagem 2

Por Elton Valente

Sou, por assim dizer, “um pesquisador em início de carreira”. Demorei um pouco para retornar à Academia e, dependendo do critério que se use, não pertenço mais à categoria dos jovens. Trago, portanto, pelo menos um pouco dessa “experiência empírica” da vida e do exercício profissional – tenho alguns anos de exercício na condição de professor e de engenheiro agrônomo, principalmente em extensão rural – mas estou começando minha vida como pesquisador e retornando ao exercício da docência, agora em uma instituição federal de nível técnico e superior.

Creio que esse conjunto me habilita a emitir meus “centavos de opinião” nesta seara, ainda que pesem em minhas opiniões a tal “mediocridade”, a “opinião amadorística” e, principalmente, nossa ignorância. Como dizia o Professor Mauro Resende do DPS/UFV, a ignorância é intrínseca ao humano.

Os “velhos” geralmente levam alguma vantagem sobre os jovens no entendimento da vida, em função, por exemplo, de terem “esbarrado” com os mesmos conceitos diversas vezes e, portanto, terem avaliado tais “conceitos” em ocasiões e contextos distintos. Ou seja, levam vantagem pela oportunidade que tiveram de agregar novas informações aos mesmos “conceitos”, e daí tirar novas conclusões, talvez mais precisas. Podemos chamar a isso de “experiência de vida”, ou, em muitos casos, poderíamos chamar também de Maturidade e Sabedoria. Não quero dizer com isso que todos os velhos são sábios. Mas estas últimas, Maturidade e Sabedoria, deveriam ser sempre lembradas no trato com pessoas menos jovens do que nós.

Abrindo parênteses, o bom professor necessita de estar atento a este fato, o da “oportunidade de agregar novas informações aos conceitos”. É preciso ser ponderado na hora de cobrar “conceitos” dos alunos, principalmente nas avaliações. Aí, o que está certo, errado ou incompleto, geralmente é relativo e depende do nível de informações que cada um detém.

Mas, voltando ao que proponho, a relação entre jovens e velhos e as habilidades de cruzar informações e atribuir os devidos valores às coisas. Estas últimas são fundamentais em qualquer atividade a que nos aventuramos na vida.

Entre os primeiros grandes erros que podemos cometer encontram-se a arrogância e a pretensão. E é preciso que sejamos honestos com nós mesmos e com os outros. A intuição ungida na humildade é fundamental na leitura do mundo e das coisas, na capacidade de atentar-se às partes, aos detalhes, sem perder a noção do todo, ponderando o valor das coisas. E assim vamos reduzindo as chances ou probabilidades de se cometer erros, ou pelo menos ponderando o valor dos erros cometidos. Isto vale tanto para nossas atividades profissionais quanto para a vida e para a convivência entre as pessoas.

Todos nós, sem exceção, cometemos erros ao longo dessa experiência empírica que é viver. A diferença está na forma de lidar com eles, nos desdobramentos e no comportamento pós-erro. Os mais experientes tentam amenizar os “estragos” e reconduzir o processo ao curso natural das coisas. Outros (muitos) cometem novos erros na tentativa de solucionar os erros anteriores, radicalizando quando deveriam ser ponderados, calando-se quando deveriam falar, omitindo-se quando deveriam se manifestar.

Às vezes perdemos grandes chances, grandes oportunidades, grandes parcerias, ou até mesmo grandes amigos, pela falta de tato com a vida, pela falta de humildade, ou pelo excesso de arrogância, pretensão e orgulho e por cultivar nossos próprios dogmas enquanto criticamos os dogmas alheios.

E assim, em virtude das diversas circunstâncias já citadas, os mais “experimentados” geralmente percebem melhor a correlação de valores das coisas, compartimentalizando-as, sem perder a noção do conjunto. Sem perder a noção do real valor das coisas, daquilo que realmente importa. Isto é válido para qualquer atividade humana em seu particular, mas principalmente para o Exercício da Vida no conjunto. Pois a vida é muitíssimo curta e cheia de surpresas. E a curva do futuro nós temos de pavimentar hoje, é a única oportunidade que temos, pois em muitos casos “a fatura” do que fazemos hoje nos será cobrada lá na frente, quando não dá mais para nos justificar e reorganizar a ordem das coisas.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Os Portugueses desvirginizaram o mundo


Fonte: Caravelas

Nota 1: Segue um poeminha (um pretenso soneto) de nossa própria lavra, pela Grandeza da Ibéria.

Nota 2: Na primeira vez, o verbo do título é difícil de pronunciar. Depois se acostuma (sem trocadilho).

Os portugueses desvirginizaram o mundo

Os portugueses desvirginizaram o mundo
Deixaram rendas nos trópicos
Mulatas nas salas de parto
Canhões nas pedras do porto

No êxodo Templário a gestação de um império
Que irrompe de uma Europa em arquejo
E o mar do mundo inteiro
É só uma extensão do Tejo

Águas virgens do mundo rasgadas no fio das quilhas
Do lastro armado, virilha
Das Caravelas da Ordem de Cristo

Ásia, África, Américas, um mundo inteiro no viço
Naus, mastros e velas, a força fálica da Ibéria
E a inauguração do mestiço

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Fernando Brasil
Por ocasião das comemorações dos 500 anos de achamento* do Brasil.

(*) by Pero Vaz de Caminha.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Questões ambientais, besteirol e o império do faz-de-conta

Assisti recentemente a uma reunião promovida por uma concessionária de serviços públicos, tratando de questões ambientais relativas ao abastecimento de água, cujo objetivo último era convencer a comunidade local sobre a urgência de cuidados com a água e a estruturação de um Comitê Local de Gestão para tais atividades. As concessionárias desta categoria têm, por obrigação legal, de tratar e cuidar destes assuntos. Não estão fazendo isso porque são “boazinhas”, mas porque a Lei assim o exige.

Por sua vez, a lei assim o exige porque o estado é pressionado pela nova ordem das coisas, ou novos paradigmas, como queiram. E esta nova ordem das coisas é pautada pela sociedade. Cada tempo na história humana tem seus próprios paradigmas, suas próprias exigências sociais. Nesta fase da civilização, as exigências prementes são as questões ambientais, aclamadas pelos quatro cantos do mundo. Portanto, o Estado, político por excelência, tem de seguir o compasso da valsa, senão corre-se o risco das rupturas.

Acontece que ainda não temos um nível de investimento em Educação suficiente para formar uma massa crítica, necessária em qualquer comunidade bem desenvolvida, para cobrar, “fiscalizar”, exigir que o poder público instituído cumpra bem o seu papel – leiam o livro “A Cabeça do Brasileiro”, de Alberto Carlos Almeida, está tudo lá. E o que vemos é um círculo, para não dizer um circo, de faz-de-conta.

A tal palestra foi realizada nas dependências de uma instituição educativa, da área agrossilvipastoril. Nada mais adequado. Além disso, o evento contava e conta com o total e apropriado apoio da tal instituição. Estavam presentes diversos segmentos da sociedade, desde o Poder Judiciário (com a presença do próprio Juiz da Comarca) até as Comunidades Rurais envolvidas. Todos de uma cidade pequena do interior. Havia ali, portanto, em função destas contingências e desses participantes, uma excelente oportunidade para se prestar um bom serviço. Mas, tristemente, o que se viu foi o oposto.

O palestrante, repleto de “boa vontade” era despreparado para aquilo que evento exigia. Exigia-se ali, para ocupar aquele púlpito, naquela ocasião, alguém que dominasse o assunto, com um bom poder de argumentação e convencimento, porque a ocasião era muito oportuna. Mas o palestrante não correspondia, minimamente, a esses requisitos.

Ele perdeu-se em argumentações vazias, sem dados técnicos confiáveis. Enveredou-se por metáforas pobres, usou uma ficção enviesada e absurda sobre um futuro próximo, com a humanidade transformada em monstrengos pela desidratação, com catástrofes onde se misturaram ficção grotesca, misticismo e drama pastelão. Fatos estes que, supostamente, vão ocorrer no final da próxima década, em virtude da, então, virtual falta de água. Um absurdo completo.

Primeiro, ele deu início às suas atividades com meia hora de atraso (atrasos desta natureza e duração eu considero, no mínimo, falta de respeito). O evento durou aproximadamente três horas, terminando para além das 22:00, em uma cidade do interior, onde os costumes são outros.

Mas a conclusão final da coisa, ou o resumo da ópera, é que ficou explicitado o fato de que a tal concessionária estava fingindo que cumpria o seu papel, pois não havia ali, na forma como o evento foi gerido, um mínimo de preocupação com a questão central tratada, que é muito séria: a gestão dos recursos hídricos com todas as sua implicações.

Como corolário, explicitou-se também, naquele evento, que o Estado está fingindo que cobra das concessionárias públicas o cumprimento da lei, maquiando o seu dever não cumprido, diante das exigências sociais urgentes.

E o mais triste de tudo é que o público presente, na grande maioria, não tinha um nível de informação suficiente para detectar aquele engodo. Excetuando-se as poucas pessoas vinculadas à instituição escolhida para sediar o evento.

Para não dizer que tudo foi perdido, em um determinado momento o palestrante foi feliz em uma de suas colocações, quando se referiu ao fato de que “aquilo que ele tentava fazer ali” não era uma conscientização porque, segundo ele, todos nós temos consciência do que é certo ou errado, e ele preferia dizer que tentava ali sensibilizar as pessoas para o problema, suas implicações e suas virtuais medidas de controle e, para isso, ele acreditava que o melhor caminho é o da Educação.

Mas seu discurso perdeu-se no vazio, pois o real motivo de sua presença ali era, sem a menor sombra de dúvida, o de assumir o picadeiro de um circo de faz-de-conta, cuja praça de apresentação não é “privilégio” só das comunidades carentes do interior, e sim do Brasil todo, do Mundo inteiro, de comunidades ricas e pobres, sem exceção. Pois, em média, a massa verdadeiramente preparada, com conhecimento de causa, apta a dar direcionamento racional, objetivo e ético a essas questões, é muito pequena, e fica diluída neste mar de hipocrisia em que se tornou o debate sócio-político-ambiental dos novos tempos.