terça-feira, 28 de julho de 2009

Ciclagem Biogeoquímica Nos Solos Tropicais

Por Elton Valente

Nesses tempos de “aquecimento global antrópico”(?) a “grande preocupação” é com o que se passa no céu (na atmosfera), os “vigilantes de plantão” vivem buscando sinais de fumaça no ar, afinal estamos respirando tudo isso. Mas há coisas no chão (no Solo) que merecem muita atenção da ciência e da mídia.

O Solo tem uma relação muito íntima com o carbono. Aliás, uma “porção de terra” (um substrato) só ganha o status de “Solo” se apresentar horizonte A. E o que caracteriza o horizonte A, por sua vez, é a presença de matéria orgânica. E este é apenas o princípio desta “relação íntima”. Sob determinadas condições, o solo é um dreno importantíssimo de carbono na forma orgânica (matéria orgânica). Se forem alteradas algumas destas condições, principalmente pelas atividades humanas, aquele solo que era dreno pode se tornar fonte emissora de grandes quantidades de CO2.

Alguns solos, por suas condições naturais do meio, não armazenam grandes quantidades de matéria orgânica. Em outras palavras, o seu estoque de matéria orgânica é reduzido porque neles a ciclagem do carbono é muito rápida, ou seja, há ali uma elevada taxa de mineralização da matéria orgânica, portanto esta não se acumula em grandes volumes. Mas o contrário também é verdadeiro, sob determinadas condições a matéria orgânica pode se acumular em grandes quantidades, a exemplo das turfeiras.

Uma questão importante, que considero ainda pouco discutida, ou pouco explicitada (em que pese minha ignorância), é que este assunto da ciclagem biogeoquímica, nos ecossistemas tropicais, é tratado “em um só pacote”. Ou seja, como se a ciclagem se desse por um mecanismo integrado entre o solo e a vegetação no processo de decomposição da matéria orgânica, o que não é simples assim, muito menos uma verdade. Nos trópicos, em geral, a vegetação compete, “disputa”, com o solo o acesso à matéria orgânica. A vegetação neotropical apresenta nítidas características adaptativas que permitem evitar, ou pelo menos tendem a retardar o contato da matéria orgânica com o solo em um primeiro momento. A manifestação mais visível deste fato é a grande concentração de raízes superficiais nas florestas do Neotrópico, explorando diretamente a manta orgânica depositada na superfície do terreno. Como mostra a figura(*) lá em cima. Pretendemos discutir as razões desse fato num próximo post.

É como se houvesse (e na prática há) uma “luta” da vegetação contra o solo. Nesta luta, busca-se como troféu o primeiro acesso ao material orgânico que se deposita na superfície do terreno. Em geral uma vegetação bem estabelecida, uma floresta, por exemplo, faz isso com relativa eficiência. Aí aquelas frações ditas “lábeis” da matéria orgânica são acessadas rapidamente pela vegetação, como fonte de nutrientes. Restando ao solo, proporcionalmente, aquelas frações “menos lábeis”, que também são chamadas de “frações mais estáveis” ou “recalcitrantes” que, numa definição mais simples, são aquelas frações de difícil decomposição pelos microorganismos. Estas frações contêm compostos químicos “indigestos” e muitas vezes tóxicos, como os compostos fenólicos ou óleos essenciais, geralmente associados à lignina.

Nossos proprietários rurais, na prática, conhecem algumas espécies de árvores cuja madeira é bastante durável, mesmo em contato com o solo. Tais espécies são muito cobiçadas para uso em cercas e outras construções rurais. Elas apresentam em sua madeira altos teores desses compostos. Portanto, mesmo que essa madeira entre em contato com o solo, sua decomposição é muito lenta, o que pode durar décadas. Dois bons exemplos são a Candeia-Preta (Eremanthus erythropappus), da qual inclusive se extrai um óleo muito empregado na indústria, e a Braúna (Melanoxylon brauna), hoje rara e protegida por lei.

Em um próximo post, pretendemos continuar tratando deste assunto.

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(*) A figura apresentada e parte desta discussão têm como fonte o seguinte trabalho:

VALENTE, E. L., 2009. Relações solo-vegetação no Parque Nacional da Serra do Cipó, Espinhaço Meridional, Minas Gerais. Viçosa: UFV, 2009, xvii, 138p.: il. Tese (Doutorado em Solos e Nutrição de Plantas).

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