quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Brasília e Os Pobres: por uma questão de utilidade pública!

Imagem: fonte
Por Elton Valente

PREFÁCIO: este texto foi publicado, por um dia apenas, em outro blog, lá pelos idos de abril de 2009. Agora publico-o definitivamente aqui. Agradeço mais uma vez os comentários recebidos pelo texto àquela época, principalmente o comentário-colaboração do colega blogueiro João Carlos, do recomendável blog Chi vó, non pó.

Um antigo professor que tive (militante esquerdista, é bom que se diga), dizia que a construção de Brasília foi um erro, ou melhor, a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília foi um erro.

Ele argumentava que a “nova capital” ficou longe das massas politizadas, da pressão popular e etc., e Marx e Lênin e tal! Nunca concordei com ele. O meu argumento era o de que não importa a localização geográfica de uma capital de Estado. Importa sim o perfil e a ficha policial dos políticos que são colocados lá dentro.

Estive em Brasília recentemente. Tinha um compromisso na UNIEURO, Asa Sul. Cheguei à conclusão (tardia) de que Brasília foi feita pelas mãos dos pobres, mas não é para pobres. Definitivamente aquela cidade não foi construída para o trânsito de pobres. Considero pobre aquele cidadão que, assim como eu (meu carro não dá conta de chegar até Brasília), não tem um carro próprio que dê conta de trafegar por lá ou, estando lá, não tenha dinheiro para alugar um, ou fretar um táxi.

Se o indivíduo não tem celular (assim como eu), danou-se, pois não se encontram telefones públicos com facilidade. As avenidas são longas, longuíssimas, sem passeio. Ou o cidadão está no asfalto, ou sobre o gramado (o que é proibido).

Brasília tem uma “Rodoferroviária”, cuja “ferrovia” está desativada. As rodoviárias de cidades como Jacutinga, Itacambira, Malacacheta, etc., são mais organizadas e mais bem projetadas do que a de Brasília. Piores com certeza não são.

A “Rodoferroviária” foi o único lugar público da cidade em que encontrei pessoas com um perfil mais humilde, gente do povo e, acreditem, a uns duzentos metros dali encontra-se o “Shopping Popular de Brasília”. O espaço que separa os dois locais NÃO TEM PASSEIO PÚBLICO. Ou você está na avenida larga, sobre o asfalto, ou está sobre o gramado dos canteiros. Ou seja, nem entre os dois lugares, talvez mais acessíveis aos pobres, existem facilidades para o tráfego de pobres.

Na “Rodoferroviária”, fui abordado por dois mendigos e seis pedintes (quase mendigos), entre estes duas mulheres. Um deles pedia “ajuda para comer” com uma espécie de Bíblia na mão. Pedia e mostrava a Bíblia aberta ao interlocutor. Fui abordado por ele três vezes e ele demonstrava não se lembrar de que já havia me abordado anteriormente. Além destes, vi uma índia usando, ao mesmo tempo, uns três mantos bolivianos, do tipo xale, daquele que Lula usou quando visitou o “índio” cocalero Morales – Intercâmbio internacional de pobres??? Duvido muito! (intercâmbio de guerrilheiros das Farc, em Brasília, é provável, de pobres não).

Encontram-se pobres nas cercanias de Brasília, mas eles trafegam pelas bordas, nas cidades-satélites. Segundo dados do IBGE e FGV, publicados pela Revista Veja de 08-04-2009, o rendimento médio per capta de pessoas economicamente ativas no Distrito Federal é de R$ 1.833,00. Em São Paulo, o estado mais rico do Brasil, é de R$ 1.138,00 (38% menor). Em Minas Gerais é de R$ 787,00 (57% menor). O mais pobre é o Maranhão, com R$ 450,00 (75% menor). Tirem suas conclusões, pois Brasília não tem indústrias ou outras atividades econômicas que impulsionam diretamente, materialmente, o PIB. A “indústria” de Brasília é outra.

Fiquei recordando as falas do meu professor. No fim, por vias transversas, começo a acreditar que ele tinha razão. Niemeyer, o comunista rico e famoso, teve uma sacada genial como arquiteto chefe da construção de Brasília, embora o traçado seja de autoria de Lúcio Costa, aprovou um projeto cuja arquitetura é hermética aos pobres. Dificulta ao máximo o tráfego, em um “lugar tão belo”, desta “coisa tão feia e incômoda” chamada pobre, enfeiando a sua grande obra. Isto vindo de um comunista histórico e vetusto pode ser muito revelador e educativo. Mirem-se neste e noutros exemplos, senhores das gerações presentes e futuras, antes de flertarem com ideologias, antes de colocarem seus votos nas urnas. As eleições para presidente se aproximam.

E Brasília completa 50 anos, em 21 de abril.

4 comentários:

  1. E o mais irônico é que ciosos arquitetos e urbanistas louvam Brasília como um verdadeiro monumento à modernidade! Já disse alguém que o maior pecado de certos arquitetos, ao projetar, é esquecer que pessoas farão uso do projeto, quando pronto... Primam por projetos inabitáveis!

    No caso de Brasílía, ela é, sim, perfeitamente habitável, especialmente para determinada categoria que passa ali apenas 3 dias da semana, de terça a quinta-feira...

    Excelente texto! Parabéns!

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  2. Prezada Sibele,

    São muito oportunas as suas observações, principalmente esta sobre os arquitetos: "Já disse alguém que o maior pecado de certos arquitetos, ao projetar, é esquecer que pessoas farão uso do projeto, quando pronto... Primam por projetos inabitáveis!"

    Lembrei-me de um texto e uma nota que publiquei no Geófagos. Receberam alguns comentários, também oportunos, do Manuel.

    Caso você se interesse:
    O texto: http://scienceblogs.com.br/geofagos/2008/12/com-licenca-geofagos-um-desabafo.php

    A nota: http://scienceblogs.com.br/geofagos/2009/01/nota-de-rodape-2.php

    Obrigado pelos elogios.
    Abraços fraternos.

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  3. Obrigada,Elton meu mais novo amigo por participar do #premiobeneviani.Esse post está excelente.Realidade pura!

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  4. Muito legal o seu blog... Parabéns!!!
    Acesse o meu novo blog: http://filosofandobobagens.blogspot.com/

    Um Abraço,

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